sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Diabinhos na Cabeça


         
                Pequena, com o cabelo cheio de canudos e irrequieta, assim era eu. Tinha apenas três anos e lá estava eu num hospital a aguardar notícias da operação a que meu pai estava a ser submetido. Tumor cerebral, contaram-me. Mas para chegar até aqui é preciso voltar atrás no tempo e relembrar como se chegou aqui.

                Com apenas meses de vida tinha-me mudado para a Soignies. Ser militar acarreta obrigações, e a família acaba por também as ter. A adaptação foi fácil, as pessoas eram sociáveis e eu já falava francês. Tinha uma vivenda grande e espaçosa e os meus pais tinham refeito a vida neste novo país. Passaram-se três anos, a minha mãe estava grávida e eu feliz. Sentia-me bem, livre e completa, no auge da minha infância. Tinha amigos, estava num colégio francês perto de casa e ainda passeava com os meus pais pelo país e pelos países que faziam fronteira.

                Mas com o passar dos dias, eu apercebia-me que algo não estava bem, na minha simples ingenuidade e tenra idade, eu sentia-o. Reinava a preocupação em casa e tudo era vivido com se fosse acabar. Perguntava o que se passava até que um dia soube – O pai tem uns diabinhos na cabeça que lhe andam a fazer mal e agora os médicos vão ter de fazer uma operação para os tirarem e para tratarem da ferida que fizeram. Mas atenção, é muito difícil.

                Nunca podiam tirar-mo de mim … mas o que tem de ser tem muita força e chegou o dia. Apesar de tão pequena, soube ver a pressão que pairava no ar. A preocupação da minha mãe e dos meus avós que tinham chegado de Portugal, acumulada com o cansaço da viagem. As horas passavam e eu percorria o corredor, a cantar baixinho todas as canções que cantava com o meu pai até quando vejo, finalmente, o médico. Pelo olhar eu sabia que eram boas notícias e nem deixei o médico acabar, corri para o quarto do meu pai, corri muito para não me apanharem. Entrei e fechei a porta. A imagem ficou marcada, aquele olhar quando os olhos se cruzam é impossível de ser colocado por palavras.

                Os diabinhos foram embora. Assim espero.

2 comentários:

  1. "A imagem ficou marcada, aquele olhar quando os olhos se cruzam é impossível de ser colocado por palavras." - So true!

    Assim se cresce e se formam personalidades, like i understand!

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  2. Ainda bem que o teu pai está bem e bem melhor! Foi bom chegar ao fim do texto, depois de o tentar ler rápido para saber o resultado final, e perceber que ficou tudo bem! Assim espero! :)
    beijinhos

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